Amazônia foi densamente povoada no passado
A ação humana moldou floresta existente hoje.
A arqueologia brasileira realizou, nas últimas décadas, uma “pequena revolução”. A expressão é do arqueólogo Eduardo Góes Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP). E a revolução a que ele refere se deu exatamente em seu campo de estudo: a Amazônia. Sua linha de pesquisa revelou que a região já foi densamente povoada, por 8 a 10 milhões de pessoas, e que esse povoamento remonta há, no mínimo, 8 mil anos, talvez bem mais do que isso.
Ao contrário do que diz a cronologia oficial, que remonta o início da história do Brasil à chegada dos colonizadores europeus, em 1500, o território que compõe atualmente o país tem uma história muito antiga, de aproximadamente 12 mil anos. A arqueologia descobriu que, nesse longo período, a Amazônia sempre foi uma região densamente povoada. Fragmentos de artefatos encontrados sob florestas supostamente virgens, geoglifos e a chamada terra preta são sinais importantes dessa encorpada presença humana na região.
Eduardo Góes Neves – MAE/USP
Os fragmentos de artefatos incluem peças de cerâmica bastante sofisticadas, que nada ficam a dever a outros produtos das culturas pré-colombianas. Os geoglifos, que são estruturas geométricas feitas no chão pela disposição organizada de sedimentos ou pela retirada de sedimentos superficiais, de modo a expor o terreno subjacente, foram identificados às centenas no Amazonas, Rondônia, Acre e Bolívia. E a terra preta, formada pela atividade humana nas áreas de seus antigos assentamentos, compõe hoje os terrenos mais férteis da Amazônia, cujo solo original é naturalmente pobre. Na Amazônia não existe abundância de pedras como em outras regiões da América do Sul. Então, é muito difícil encontrar estruturas arqueológicas de pedra.
As florestas amazônicas são produtos da ação humana.
Existem cerca de 16 mil espécies de árvores conhecidas nesse bioma. Desse conjunto, apenas 227 espécies, ou seja 1,4%, correspondem a quase a metade de todas as árvores existentes na região. Essa hiperdominância observada hoje foi, em grande parte, fruto do manejo humano no passado. A ideia, ainda muito difundida, de uma formação florestal virgem, intocada, não corresponde à realidade. As florestas amazônicas são produtos da ação humana. O manejo criou a composição de árvores que existe hoje.
É possível viver na e da floresta sem destruí-la.
Arqueologia não é apenas sobre o passado, mas também sobre o futuro. O entendimento do que já foi lança luzes sobre o que ainda pode ser. Há diferentes formas de viver e prosperar na Amazônia. O modelo atualmente dominante, que derruba árvores, queima a mata, esburaca a terra, contamina os rios e transforma a paisagem exuberante em uma terra desolada, não é o único possível.
Discordando da contagem oficial, que fala em 6 milhões de indígenas em todo o território brasileiro por ocasião da chegada dos colonizadores portugueses, Neves afirma que apenas a região amazônica teria abrigado de 8 a 10 milhões de pessoas. Os estudos recentes indicam uma população muito maior. Os registros mais antigos chegam a 8 mil anos. Há evidências de uma ocupação contínua nos últimos 2.500 anos.
Fonte: Um Só Planeta