Fala aí Sabesp!

É preciso investir mais em saneamento, universalizar a oferta do serviço, torná-lo acessível a quem não pode pagar, preservar as fontes de água e conter a poluição.

Lucros pretendidos pelos atores financeiros são incompatíveis com direito a água e saneamento. Durante a crise hídrica de 2014 que assolou a região metropolitana de São Paulo, a empresa de economia mista prestadora já sabia, desde pelo menos 2009, que até 2015 seriam necessárias novas fontes de água para garantir a continuidade do serviço. No entanto, a empresa falhou em investir preventivamente em infraestrutura para segurança hídrica, afetando milhões de usuários, denuncia Léo Heller, relator especial para os Direitos Humanos à Água Potável e ao Esgotamento Sanitário e pesquisador da Fiocruz.

Próximo à crise hídrica, empresa pagou 44% em dividendos. Apesar do desastre anunciado, a companhia pagou dividendos aos acionistas durante esse período, sempre superiores ao limite mínimo definido por lei, atingindo um pico de 43,9% em 2011.

Heller cita outro exemplo da incompatibilidade entre a meta de lucros e as necessidades dos consumidores. Uma modalidade de privatização que surgiu nas últimas décadas foi com fundos de investimento comprando ações ou a propriedade total de empresas de água e esgotamento sanitário. Para os atores financeiros, tal modalidade é uma estratégia de investimento atraente: pode garantir retornos de longo prazo, diversificar o risco e gerar novas oportunidades. “Do ponto de vista dos direitos humanos, a financeirização do setor de água e esgotamento sanitário cria uma desconexão entre os interesses dos proprietários das empresas e o objetivo de realizar os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário”, salienta o pesquisador.

Existem riscos específicos à garantia dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário em situações de privatização. A exploração das dimensões legal, teórica e empírica desses riscos é necessária e relevante. A combinação de três fatores relacionados à essa prestação privada dos serviços, ou seja, a maximização dos lucros, o monopólio natural dos serviços e o desequilíbrio de poder precisam de um justo equacionamento.

Riscos da privatização

Segundo Heller, há riscos no acesso a esse recurso essencial.

Em Guayaquil, Equador, os preços da água aumentaram 180% após a privatização; em Jacarta, alta de 135% nos primeiros 10 anos do contrato de concessão; e em Cochabamba, Bolívia, subiram em média 43%.

Em KwaZulu-Natal, África do Sul, o acesso à água por meio de medidores pré-pagos, implementados pelo prestador privado, foi associado a um surto de cólera em 2000, quando 120 mil pessoas foram infectadas e 300 morreram. Na Inglaterra e no País de Gales, nos primeiros cinco anos após a privatização, o número de desconexões domiciliares triplicou, o que resultou na Lei da Água de 1999, que proibiu a desconexão de usuários por falta de pagamento e o uso de medidores pré-pagos em resposta aos riscos à saúde pública associados aos cortes.

O resultado é que, entre 2000 e 2019, pelo menos 311 casos de desprivatização ocorreram em todo o mundo. Um caso destacado de remunicipalização ocorreu em Paris, onde as autoridades optaram por não renovar os contratos com a Veolia e a Suez devido a preocupações com o aumento das tarifas e falta de transparência e responsabilidade.

Um estudo do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) propõe um modelo de cobrança mais coerente para uma empresa com atuação de mercado de capitais. O plano prevê que mais famílias possam pagar a tarifa social e que a sociedade tenha alguma voz nas diretrizes do investimento.

Atualmente, a cobrança pelos serviços é dividida em duas tarifas, a de água e a de esgoto. Na sugestão do IDS, parte-se do princípio de que o preço de cada serviço deve ser calculado com base em seus custos. A tarifa seria, então, composta de:
1) Uma parcela fixa, de acesso ao fornecimento de água;
2) Uma tarifa fixa pelo serviço de coleta de esgoto;
3) Uma tarifa fixa, a mais cara, pelo tratamento de esgoto, variável de acordo com o custo de tratar esses efluentes;
4) Uma parcela variável segundo o consumo de água.

Além das tarifas sociais, na faixa de consumo residencial mais baixa, quem consome até 10 metros cúbicos por mês (10 mil litros), paga R$ 27,07 na cidade de São Paulo. Nessa faixa, o preço é fixo, não importa se o usuário consome dois ou nove metros cúbicos. Não há, pois, incentivo econômico para gastar menos água. Quem consumir apenas três metros cúbicos, por exemplo, pagará o equivalente a R$ 9,02 por metro cúbico; se consumir dez metros cúbicos, pagará R$ 2,70 por metro cúbico.

Preços diferentes para água e esgoto são mais justos

O IDS argumenta que preços adequados para cada serviço e para cada tipo de usuário podem incentivar investimentos, tornar os custos mais transparentes e limitar algumas outras injustiças.

O preço adequado e específico induziria a empresa de saneamento a investir mais em serviços que, agora, estariam sub-remunerados e, assim, não são ofertados em volume adequado, como tratamento de esgoto.
Além do mais, se o custo de investir em esgoto é adequadamente coberto, a empresa de saneamento, no caso a Sabesp, dependeria menos de venda de água para ganhar dinheiro. Obviamente, em termos econômicos e ambientais, não faz sentido trabalhar pelo aumento do consumo de água.

Fonte: Monitor Mercantil – Folha de São Paulo – Ondas Brasil