O Brasil tem abundância de água?

Abunda, só que não!

O Brasil tem mais de 10% de toda a água potável do mundo. Mesmo assim, sofremos com a escassez e com o racionamento. O que o País está fazendo errado?

Será que temos que economizar também, assim como fazem os países menos privilegiados em recursos hídricos? Ou podemos consumir sem preocupação já que temos grandes reservas?

Assista ao vídeo (3 min) de trecho da entrevista de Seth Siegel (ativista e escritor americano, autor do livro “Faça-se a Água”) no programa Roda Viva da TV Cultura.

Leia, também, trechos da entrevista de Seth Siegel à Rodrigo Caetano (Revista Isto É – Dinheiro):

RC: O mau uso da água é um problema global e, há muito tempo, se fala que a falta dela pode levar ao apocalipse. Sua visão é um pouco mais otimista, sem, no entanto, diminuir o tamanho do problema. Por que?
SS: Estamos diante de um risco global. A falta d’água é um problema que afeta todas as regiões do planeta e pode, inclusive, gerar conflitos entre nações. Muitas pessoas que leem meu livro esperam deparar apenas com coisas ruins. Mas a realidade é que, se planejarmos corretamente, tudo vai ficar bem. Agora, quero deixar uma coisa muito clara, podemos, sim, encarar um apocalipse. Mas também é possível nos tornarmos mais espertos, como Israel, e evitarmos o fim do mundo.

RC: Em seu livro, o sr. aborda, também, a questão geopolítica da água. Haverá conflitos, no futuro, relacionados a esse recurso?
SS: É possível. Mas o oposto disso também é. Se a água for utilizada como uma forma de engajamento, ela pode ser, inclusive, um motivo para a resolução de conflitos.

RC: Agora, e se os governos falharem, as empresas podem liderar esse movimento para utilizar melhor os recursos hídricos?

SS: As empresas, sozinhas, não vão liderar. Existem muitos componentes na sociedade: governo, universidades, corporações, organizações não governamentais, etc. Cada um deles tem um papel para o futuro. Trata-se de um esforço coordenado.

RC: Quais tecnologias podem ser utilizadas nesse processo de melhorar o uso dos recursos hídricos? Elas são acessíveis a países em desenvolvimento?
SS: Primeiramente, a agricultura absorve a maior parte da água. Então, mude para um sistema de irrigação por gotejamento. Em segundo lugar, é preciso considerar que a população produz um grande volume de esgoto. Mas isso é previsível. Todo mundo faz praticamente a mesma quantidade de xixi e dá o mesmo número de descargas por dia. Então, é possível saber exatamente a quantidade de água que vai pelo ralo, que pode ser tratada em alto nível e reutilizada para agricultura. Em terceiro lugar, nas regiões costeiras, é viável dessalinizar a água. Por último, se você conserta seus vazamentos, economiza uma quantidade enorme de água. Israel, como a maioria dos países, perdia cerca de um terço da sua água dessa maneira. Hoje, a taxa de perda está em 9% e a meta é chegar a 5%.

RC: O Brasil tem mais de 10% de toda a água potável do mundo. Mesmo assim, sofremos com a escassez e com o racionamento. O que o País está fazendo errado?
SS: Sim, é verdade que o Brasil tem a maior reserva de água do mundo, na Amazônia. Mas, o problema é que a água, muitas vezes, não está localizada onde as pessoas estão.  Precisamos nos preparar para a falta d’água e não adianta rezar. É preciso mudar a agricultura, construir a infraestrutura para o reuso da água, desenvolver usinas de dessalinização e usar a tecnologia para evitar vazamentos nas tubulações. Se você fizer tudo isso, é impossível ficar sem água, a menos que aconteça uma catástrofe.

 

RC: No Brasil, as perdas por vazamento giram em torno de 40% a 50%.
SS: Exato. Pense a respeito. Se, há cinco anos, a decisão de consertar os encanamentos tivesse sido tomada, hoje o País teria mais água do que conseguiria usar. Nesse nível de eficiência, basicamente, você está usando dois anos de estoque para dar conta de um.

RC: Uma petroleira que perde 40% da sua produção em vazamentos é uma empresa inviável. Por que se permite esse nível de ineficiência na distribuição de água?
SS: A diferença é que pagamos pelo petróleo. Quando colocamos gasolina no carro, queremos pagar US$ 1 por litro, e não US$ 2. A água, por sua vez, é vista como algo que obtemos de graça, como o ar. Enquanto abrirmos a torneira e a água estiver saindo, estará tudo bem. É preciso que os líderes enxerguem o problema e que o público seja educado a respeito da importância da água.

RC: Durante a recente crise hídrica enfrentada pelo Sudeste brasileiro, muitas pessoas passaram a economizar e a reutilizar a água. Mas, com a volta das chuvas e os reservatórios cheios, a preocupação arrefeceu…
SS: Sim e, por sinal, eu garanto uma coisa: vai faltar água de novo. Haverá outra seca e, se o Brasil não usar esse tempo para se preparar, será ainda pior.

Fontes: Roda Viva – TV Cultura e Revista Isto É – Dinheiro