O sistema de energia do mundo deve ser completamente transformado

E será tão rápido e tão completamente como nunca foi na História da Humanidade.

Por mais de 100.000 anos os humanos obtiveram energia de si mesmo, com o que comiam, da luz e do calor, com o que queimavam e, muito mais recentemente, do fluxo de água e ar em moinhos. A expansão da população e o aumento do uso global de energia nem sempre foram harmoniosos. A Revolução Industrial, o motor a vapor, a combinação de combustíveis fósseis e novas máquinas exigiram muito mais energia. Presume-se que a demanda por energia nos últimos 2 séculos aumentou cerca de 15 vezes. E agora, a partir do século 21, como vai ser?

Algumas transformações, chamadas de “transições energéticas”, exigiram enormes mudanças na infraestrutura e no sistema econômico, mas ocorreram lentamente.

James Watt patenteou seu motor a vapor em 1769; o carvão não excedeu a parte da energia total fornecida pela “biomassa tradicional” — madeira, turfa, esterco e afins — até a década de 1900. Foi só na década de 1950, um século após o primeiro poço comercial de petróleo ser perfurado na Pensilvânia, que o petróleo bruto passou a representar 25% das fontes de energia primária total da humanidade. Entretanto, as populações mais pobres continuaram a queimar a “biomassa tradicional” e não houve grande impacto.

Porém, para dar ao mundo uma boa chance de controlar o aquecimento global, exigirá uma transição energética muito maior e mais rápida. Nos próximos 30-50 anos, 90% ou mais da parte da energia mundial que está sendo produzida a partir de combustíveis fósseis precisará ser fornecida por fontes de energia renovável, de energia nuclear ou de usinas de combustíveis fósseis que não exalem os gases resultantes do processo.

Embora a população não esteja mais crescendo tão rápido quanto no pico do seu aumento, no meio do século XX, teremos mais 2 bilhões de pessoas até meados do século XXI. E todas essas pessoas vão querer os serviços de energia modernos. Junte-se a isso os mais de 800 milhões de pessoas que ainda hoje carecem de eletricidade — daí toda essa queima de biomassa tradicional.

A boa notícia, no entanto, é que os governos dizem que estão dispostos a avançar com a mudança. As transições anteriores foram causadas principalmente pela demanda por novos serviços que apenas um combustível específico poderia fornecer: a gasolina para motores.

O crescimento da capacidade de geração renovável tem reduzido substancialmente o custo dos equipamentos. Ao mesmo tempo que toda população ainda excluída vai ter oportunidade de usufruir dos confortos modernos, vão se somar os novos habitantes da Terra, exigindo uma transição energética jamais enfrentada pela humanidade.

Durante a década de 2010, o custo das energia solar, eólica “offshore” e eólica “onshore” caiu 87%, 62% e 56%, respectivamente, de acordo com a Bloomberg-NEF, uma empresa de dados de energia. Isso permitiu implantações impensáveis nos anos 2000. A Grã-Bretanha agora tem 10.000 turbinas eólicas offshore. Cerca de dois terços da população mundial vive em países onde as energias renováveis já representam a fonte mais barata, segundo Bloomberg-NEF.

A energia solar vem superando as expectativas de seus mais fervorosos entusiastas. Até 2030, calcula-se que, em partes ensolaradas do mundo, construir grandes novas instalações solares do zero será uma maneira mais barata de obter eletricidade, apontando o fim das usinas de combustíveis fósseis.

Em 2018, a participação do carvão no fornecimento global de energia caiu para 27%, a menor em 15 anos. O petróleo ainda resiste devido aos motores de veículos (os elétricos ainda são raros). Mas a tendência é que as renováveis pressionarão o petróleo, assim como já pressionam o gás natural.

Há obstáculos. Nem o sol nem o vento produzem energia de forma consistente. As instalações de energia solar da Alemanha produzem cinco vezes mais eletricidade no verão do que no inverno, quando a demanda por eletricidade está no seu auge. As forças do vento variam não apenas do dia para o dia, mas de estação em estação e, em certa medida, de ano para ano. Isso equivale a uma “lombada” na estrada para as renováveis, não um bloqueio definitivo. A tecnologia para armazenamento da energia excedente em baterias como lítio e, principalmente, hidrogênio estão muito avançadas e os resultados muito promissores. A eletrólise da água pode produzir hidrogênio para ser usado mais tarde. Mais ambiciosamente, se as tecnologias para retirar dióxido de carbono do ar melhorem, esse hidrogênio poderia ser combinado com esse carbono limpo para fazer combustíveis livres de fósseis.

Ao fazê-lo, eles podem ajudar a remediar o outro problema com as renováveis. Existem algumas emissões que mesmo a eletricidade muito barata não pode substituir. As baterias de íons de lítio são muito volumosas para alimentar grandes aviões em voos longos, que é onde os combustíveis artificiais podem entrar. Alguns processos industriais, como a fabricação de cimento, emitem dióxido de carbono por sua própria natureza. Eles podem precisar de tecnologia que intercepte o dióxido de carbono antes que ele entre na atmosfera. Quando as emissões não podem ser evitadas, elas precisarão ser compensados removendo dióxido de carbono da atmosfera, seja com árvores ou tecnologia.

Nada disso acontece, porém, sem investimento. A Agência Internacional de Energia Renovável, um grupo consultivo, estima que são necessários US$ 800 bilhões de investimento em renováveis a cada ano até 2050 para que o mundo esteja em curso por menos de 2°C de aquecimento, com mais que o dobro do necessário para infraestrutura elétrica e eficiência. Em 2019, o investimento em renováveis foi de US$ 250 bilhões. As grandes empresas de petróleo e gás investiram o dobro na extração de combustíveis fósseis.

Se os governos querem limitar as mudanças climáticas, portanto, eles devem fazer mais. Eles não têm que fazer tudo. Se as escolhas políticas mostrarem que o caminho para longe dos combustíveis fósseis está certo, o capital privado seguirá. Os investidores já estão cautelosos com as empresas de combustíveis fósseis, de olho nos retornos escassos e na possibilidade de que a ação sobre as mudanças climáticas deixe as empresas com ativos depreciados.

Mas os governos precisam deixar os sinais claros. Em todo o mundo, atualmente, eles fornecem mais de US$ 400 bilhões por ano em apoio direto ao consumo de combustíveis fósseis, mais que o dobro do que gastam subsidiando a produção renovável.

Fonte: The Economist