Água para as privadas

A voz popular acostumou-se a chamar “privada” aquilo que os arquitetos e engenheiros designam por bacia sanitária (e até mesmo o espaço onde esse equipamento é instalado). Obvio que esse nome tem relação como a atividade estritamente privada que ali se realiza.

Eis que se desenvolve, no país, uma campanha bem organizada para que o abastecimento de água potável, serviço essencial para a cidadania, deixe de ser prestado por entes governamentais e seja privatizado, ou seja, entregue a empresas privadas. 

O verdadeiro saneamento, que inclui a disponibilidade de água potável, e a correta disposição dos dejetos e resíduos orgânicos ou não, é um do mais notáveis marcos civilizatórios e, na sua origem, vinculado indissociavelmente à manutenção e melhoria da saúde.

Nosso país tem uma longa história daquilo que os meios técnicos passaram a chamar de “saneamento básico” (abastecimento de água, esgotamento sanitário, disposição de resíduos sólidos e também a drenagem urbana das águas da chuva. Desde o início do século passado, o poder público foi criando estruturas para a prestação desse serviço.

O Estado (em suas instâncias, federal, estadual e municipal) esteve presente na implantação dos serviços de saneamento que a própria Constituição de 88, no seu artigo 247 consagra como “serviço público essencial” e “atividade preventiva de ações de saúde e meio ambiente”. Vincula, inclusive, ao Sistema Único de Saúde, na formulação da política e do planejamento setoriais.

E agora, vem a investida da privatização. Desde os anos 90, alguns municípios com serviços desvinculados das companhias estaduais, vinham entregando à iniciativa privada o abastecimento de água.

Naturalmente, as empresas privadas só demonstram interesse naqueles serviços altamente rentáveis, pois sua meta é o lucro e não a saúde pública. Pequenas cidades ou aquelas onde haja dificuldades com os mananciais nunca serão alvo das privadas. Cobre-se o que for necessário para garantir a “sustentabilidade econômica” (leia-se lucro) e dane-se o interesse da população.

O governo do Estado de São Paulo foi precursor da entrega das companhias estaduais às privadas, com a abertura do capital da empresa estadual de saneamento, SABESP, em 2002. Hoje, 49,7 % das ações da empresa estão nas mãos de acionistas privados (e eles ficaram com 29,7 % do lucro líquido dos serviços, enquanto os projetos que evitariam a crise da água de 2014 não foram levados adiante). A hoje tão falada Odebrecht, através da subsidiária Aquapolo tem uma parceria com a SABESP para a produção de água potável pelo tratamento de esgoto. Essa mesma empresa é, possivelmente a principal privada a atender diversas cidades do Brasil (incluída a cidade de Uruguaiana), através da Odebrecht Ambiental.

É preciso que se deixe bem claro que, por enquanto, se trata “apenas” do serviço de abastecimento de água potável e, por decorrência das funções das empresas públicas estaduais, também do esgotamento sanitário. Por enquanto (até quando) os mananciais de água da natureza estão protegidos da apropriação privada pela Constituição Federal. Até quando?…

Como parte da chantagem que o governo (?) federal faz com os estados em crise fiscal, coloca-se a entrega da água para as privadas. A CEDAE do Rio de Janeiro é um exemplo.

É preciso que se diga que a experiência de alguns países não favorece o serviço privado da água. Nos Estados Unidos, a grande maioria desses serviços é prestado por organismos públicos. Na França, berço da duas grandes privadas, depois de um avanço grande da privatização, houve recuo significativo nos últimos anos, inclusive em cidades grandes, a começar por Paris, que re-plublicizou o serviço. Para ficarmos em países vizinhos, o caso da Bolívia é emblemático, com a “guerra da água” que expulsou a empresa privada de Cochabamba com verdadeira insurreição popular. Com menor virulência, também Buenos Aires rechaçou a privatização.

Mas agora é a vez da água, no Brasil.

Fonte: extraído do artigo de Luiz Antonio T Grassi para Sul21.